Entrevista ao Guarda Prisional (reformado)

05-05-2010 09:35

 

 

Boa tarde, somos alunos da Escola Secundária Vitorino Nemésio e estamos aqui no âmbito da disciplina de Área Projecto. Começamos desde já por agradecer a sua disponibilidade para comparecer a esta entrevista. Estamos a desenvolver um trabalho sobre a vida dos reclusos dentro dos estabelecimentos prisionais e a possibilidade ou não da reinserção dos reclusos na sociedade.

Queríamos, portanto, realizar uma entrevista onde nos possa fornecer algumas informações para o nosso trabalho, passando agora as perguntas:

 

 

1.       O que o levou à escolha da sua profissão?

Antes de ser guarda, era cortador de carnes e não tinha um ordenado satisfatório. Na altura, um guarda amigo disse-me que havia um concurso interessante (visto que era um emprego do Estado, ganhava-se mais) para o lugar de guarda prisional. Decidi concorrer no concurso e assim fiquei com a posição.

 

2.       Gostou de a exercer?

Sim, de certa forma gosto, apesar de achar que os presos devem ser castigados, não achava bem que lhes batessem. E eu cheguei a chefe de guardas sem nunca bater num preso.

 

3.       Em que estabelecimento prisional trabalhou? Durante quantos anos?

Entrei para o Estabelecimento Prisional do Linhó para frequentar o curso de guarda (3 meses), depois fizemos provas, éramos 31, ficamos 29 aprovados. Fui distribuído para o Estabelecimento Prisional de Sintra, onde estive de Junho de 1959 até 1980. Em 1978, frequentei um curso para sub-chefes de guardas e fui trabalhar para a Madeira, durante dois anos e meio.

Entretanto, abriu vaga para chefe de guardas em Sintra, onde concorri e vim ocupar este lugar, até me reformar em 1988.

 

4.       Quais as funções que desempenhava na instituição?

É principalmente abrir e fechar os reclusos das celas e organizar brigadas que acompanhem os reclusos nos diversos trabalhos que existiam na altura: barro, hortas, pedra, saibro (areia), cerâmica, carpintaria, serralharia, fundição, lavandaria, alfaiataria e sapataria.

Como chefe de guarda, fazia a distribuição diária dos guardas e dos reclusos para os serviços que iriam trabalhar.

  

5.       Como está organizada a segurança no estabelecimento prisional? Quantos guardas há?

Cerca de 48 guardas, mas tínhamos normalmente sempre alguns guardas de licença.

De noite tínhamos 4 guardas a trabalhar, fazendo entre estes turnos de vigia.

Havia um chefe, 2 primeiros sub-chefes, 4 segundos sub-chefes. E agora, recentemente, também existe o sub-chefe ajudante.

 

6.       Alguma vez foi ameaçado por algum recluso ou familiar?

Cheguei a ser ameaçado numa das brigadas de campo das hortas, e estávamos suponho eu, 4 guardas. Houve um recluso que nos meus primeiros dias de serviço, aproveitou-se disso e fez qualquer coisa para o meu lado, que eu não vi. Um guarda mais velho começou a ralhar com ele, aproximou-se do recluso, este levantou a enchada para bater no guarda, e o guarda apontou-lhe a pistola.

 

7.       Como é a relação entre os guardas prisionais e os reclusos?

É uma relação normal, de respeito. Há reclusos que fazem coisas de propósito para irritar os guardas, por exemplo no refeitório não se podia falar quase nada, senão ficava um barulho ensurdecedor. Mas, eles começavam a bater com as colheres e a falar muito alto.

 

8.       No interior do estabelecimento prisional há contrabando de armas e drogas?

De armas, lembro-me de uma vez. Um indivíduo que trabalhava na serralharia, construiu, não se sabe como, um revólver e munições. Isto, para tentar fugir do estabelecimento. No dia da tentativa de fuga, as coisas não correram muito bem para o seu lado, e deu um tiro no braço do guarda. Os outros guardas quando deram por o sucedido foram socorrer o guarda ferido, e deram uma grande tareia no recluso. Este acabou por ser transferido. Mas depois, mais tarde soubemos que tinha assassinado o guarda nocturno.

Em termos de drogas, havia sim, muito contrabando, e entravam principalmente pelas visitas e até mesmo por guardas. Chegámos a ter um guarda que foi ouvido pela judiciária, porém nunca chegaram a ser comprovadas as suas acções de contrabando.

 

9.       Existem manifestações de violência entre os prisioneiros? Existem gangs?

Onde eu trabalhava não havia muitos gangs, porém, às vezes, havia violência entre os reclusos, chegava mesmo a haver reclusos que esfaqueavam outros.

 

10.   Há tentativas de fuga? Pode-nos contar..?

Sim sim, numa das brigadas, antes de eu ser chefe. Foi num dos dias de manhã, a ir para o trabalho. Estávamos a ir para a serra e atravessávamos a estrada nacional. Quando ia já próximo, houve um recluso que começou a fugir em frente à brigada. A minha reacção foi disparar para o ar. De seguida peguei no apito para as outras brigadas se alertarem. Por fim o recluso acabou por ser apanhado na serra.

Das celas também fogem, mas aí quase sempre são apanhados…

 

Uma vez chegou um indivíduo muito perigoso, de tal modo, que foi necessária atenção especial por parte da segurança do estabelecimento. Esse indivíduo chegou até a estar envolvido numa fuga onde fugiram 80 presos (ele foi um dos que fugiu). Acabou por ser  apanhado e foi para a penitenciária de Coimbra.

 

11.   Tem conhecimento de situações de corrupção da própria força de segurança?

Ouvia falar…Mas não tenho conhecimento de nada em concreto. Esse tal indivíduo que se dizia trazer droga, lá está, dizia-se… não se tinha a certeza.

 

12.   Na sua opinião considera que o estabelecimento prisional faz com que os criminosos se arrependam dos crimes que cometeram?

Em parte sim, mas há muitos que nunca se arrependem.