Entrevista à Directora do Estabelecimento Prisional

03-02-2010 09:25

 

Boa tarde, somos alunas da Escola Secundária Vitorino Nemésio e estamos aqui no âmbito da disciplina de Área Projecto. Começamos desde já por agradecer a sua disponibilidade para comparecer a esta entrevista. Estamos a desenvolver um trabalho sobre a vida dos reclusos dentro dos estabelecimentos prisionais e a possibilidade ou não da reinserção dos reclusos na sociedade.

 

Queríamos, portanto, realizar uma entrevista onde nos possa fornecer algumas informações para o nosso trabalho, passando agora as perguntas:

 

 

 1.       O que a levou à escolha da sua profissão?

Como tenho formação em psicologia, concorri para os serviços prisionais para exercer função de técnica de reeducação. Na altura não tinha bem noção do trabalho que ia fazer, concorri mesmo para arranjar trabalho. Depois ou se gosta muito ou se odeia e vai-se embora. Eu adorei. Mais tarde fui convidada para adjunta de director e posteriormente para directora de estabelecimento prisional.

 

 

 2.       Gosta da sua profissão? Há quanto tempo a exerce?

Sim, gosto muito. Como directora de estabelecimento prisional comecei em Outubro de 2001, portanto há 8 anos e pouco.

 

 

 3.       Quais as habilitações especificas para o cargo de Director?

A maior parte dos directores têm o curso de direito. Há pessoas de serviço social, de psicologia, de sociologia.  Eu tenho o curso de psicologia e posteriormente dentro dos serviços fui fazendo formação relacionada com a área de trabalho.

 

 4.       Para si, qual é o papel da prisão?

Para já, é defender a sociedade e também tem um papel de re-socialização dos reclusos.

 

 5.       Quais as suas funções na prisão?

No fundo, faço a gestão e a administração. Quer a nível dos recursos humanos, dos recursos financeiros e a gestão da população reclusa.

 

 6.       Quais são os maiores problemas na gestão de uma prisão?

Os problemas variam muito de prisão para prisão. Por exemplo onde há mais toxicodependentes, há mais conflitos entre os presos, às vezes com a entrada de droga e depois todos os problemas associados com esta (os negócios).

Mas por exemplo na prisão onde eu estou, há muitos casos de homossexualidade entre os reclusos, há mais camaratas do que celas individuais, o que promove mais esses problemas de homossexualidade e conflitos entre eles. Também há muitos presos que têm problemas psiquiátricos e depois misturados com os outros geram conflitos.

 

 7.       O estabelecimento prisional já alguma vez teve uma ameaça? De que modo?

Sim. Houve uma denúncia de que um grupo de presos brasileiros estaria a preparar um sequestro com ligações ao exterior. O grupo foi dividido, antes que algo realmente se passasse e alguns foram transferidos para outras cadeias. Não chegou a haver ameaça.

 

 8.       Já houve algum acontecimento marcante para si?

Esse anterior. Quando houve os primeiros casos de presos com sida, reclusos que acabaram por morrer na cadeia. Mais como quando era técnica de educação...situações que eram mais emocionais. Situações que em termos humanos nos tocam.

Outra situação que me toca é quando vão crianças às cadeias visitar os pais.

Depois na cadeia onde trabalhava anteriormente, um estabelecimento prisional de preventivos (ainda estão a aguardar julgamento, ainda não sabem se vão ser condenados), e 3 presos tentaram fugir. A cadeia na altura não tinha grades na zona onde iam falar com os advogados. Ameaçaram o advogado com um ferro, o advogado bateu à porta para chamar o guarda para ele sair e quando o guarda abriu a porta, eles empurraram o guarda e o advogado e atiraram-se da janela equivalente a um 3º andar. Um deles caiu em cima de um carro, os outros caíram na estrada ficaram magoados já não conseguiram continuar a fuga. O que caiu em cima do carro do carro, conseguiu fugir e só veio a ser apanhado uns meses mais tarde, pelo menos uns 3 meses, já não me recordo bem, e ele nem foi apanhado em Portugal, penso que foi em Espanha. Foi novamente preso, para outra cadeia. Um dia quando teve que ir à PSP para ser ouvido num processo pediu para ir à casa de banho e fugiu pela janela da casa de banho, os guardas perseguiram-no, um polícia acabou por dar um tiro e ele morreu.

Há casos de sucesso, como por exemplo aqueles que entram quase analfabetos e saem de lá com o 12º ano.

 

9.       Como é o seu relacionamento com os reclusos?

Tento ter uma relação humana com eles e falar com eles sempre que necessitam. Mas sem nunca esquecer que é necessário que eles cumpram as regras e impor limites. Portanto, no fundo, sem descurar a disciplina.

Às vezes circulo na zona prisional. Sempre que entram reclusos novos, atendo-os num gabinete na zona prisional. E quando eles necessitam de alguma coisa, escrevem num livro que está com os guardas e são chamados assim que for possível.

Ainda hoje terminou um curso de electricidade e depois fez-se um pequeno lanchinho, em que todos confraternizámos (professores, eu, reclusos…)

 

 10.      Como se encontra estruturado o espaço físico do estabelecimento prisional onde trabalha?

Está dividido em 2 alas. Cada ala tem a parte das celas (à volta de 100/120) e camaratas (à volta de 170).Têm espaços comuns: ginásios, biblioteca, espaço polivalente – para reuniões de vários tipos, debates, cultos religiosos. Cada ala tem o seu refeitório, zona dos serviços clínicos (onde têm acesso a médico de clínica geral, psiquiatra, psicólogos, dentista); oficinas onde fazem os mais variados trabalhos; e um pátio exterior onde têm um campo de futebol, basquete, volley. Nos vários pisos têm salas de convívio com televisão e jogos.

 

 11.    Qual é o dia-a-dia dos reclusos? As 24 horas da vida de um recluso?

8h00 – Abertura das celas, têm que ter as camas feitas e estarem vestidos. Os guardas procedem ao conto, para ver se estão todos

Deslocam-se para o refeitório

8h30 – Pequeno-almoço

9h00 – Vão trabalhar ou para a escola ou então aqueles que não têm nenhuma actividade vão para o pátio.

11h30 – Saída do pátio e das actividades

11h45 – Refeitório para almoçar

Recreio

14h00 – Regresso às actividades ou ao pátio

16h30 – Saída das actividades e do pátio

17h45 – Refeitório para jantar

Antes do encerramento também são contados para ver se estão todos

19h00 – Encerramento das celas

 

 12.     Quais as ocupações dos reclusos na sua instituição? A ocupação dos tempos livres…

Têm as mais variadas actividades.

-Desporto – Têm campos de futebol, basquete e volei. Há torneios de futebol, remindore -máquinas de remo - entre as várias cadeias. Também estamos a introduzir o ténis, eles gostaram muito.

- Música – Há bandas de música e todos os anos há um festival de música das prisões todas, em que há uma competição da melhor banda.

- Teatro noutros anos (este ano não há por falta de professor)

- Salas de convívio onde podem jogar, ver televisão.

- Trabalhar. Mas ninguém é obrigado a ir trabalhar ou estudar, é a escolha deles. Mas normalmente os técnicos tentam motivá-los, sensibilizá-los. Podem trabalhar com componentes eléctricos, montar peças, trabalhos com molas, colocar as tampas nas caixas de sal, manutenção, limpeza, cozinha, lavandaria, biblioteca – têm geralmente um salário fixo de 2,50 euros por dia mais ou menos. Alguns trabalham por conta própria em artesanato -mandam pelas visitas para vender no exterior ou vendem aos próprios funcionários);

- Religião – Por vezes vêem pessoas de fora para fazerem cultos religiosos - igreja ortodoxa romena, católica, muçulmanos - até fazem o Ramadão.

 

13.    Como se processam as saídas precárias?

Quando eles já cumpriram ¼ da pena podem começar a fazer pedidos ao juiz do tribunal de execução de penas para irem passar uns dias a casa. O juiz desloca-se regularmente à cadeia e reúne o director, o chefe de guardas e os técnicos que acompanham os reclusos. Esses pedidos são analisados para ser concedido ou não consoante o comportamento deles, o apoio que têm no exterior -o apoio familiar, se exercem também alguma actividade. Vemos se também não há perigo de fuga, por exemplo com os reclusos estrangeiros há sempre receio que fujam.

Se forem concedidas podem gozar até 16 dias por ano, mas depois varia com os juízes. Alguns dão saídas seguidas de 4 dias, outros gostam de ir dando gradualmente, varia conforme o critério do juiz. à  saídas precárias prolongadas quem autoriza é o juiz

Além destas saídas precárias (as prolongadas), quando os reclusos já se encontram em regime aberto, podem beneficiar de saídas precárias de curta duração que têm a duração de 48 horas e que são concedidas pelo director da cadeia. Só podem pedir estas saídas trimestralmente.

 

14.   Como é que se procedem as visitas à prisão? (Familiares, amigos, outros…)

Cada preso tem um número, então as visitas são divididas consoante a numeração. Ao fim de semana, podem ter 2 horas de visita, uns é ao sábado de manhã ou tarde, domingo manha ou tarde. Aqueles que têm empresas lá fora, que precisam de tratar de assuntos de trabalho também podem ter visitas à quarta - mas só mesmo de trabalho não podem ser visitas de famílias. Têm de comprovar que tem empresas. Nas visitas podem levar sacos com sandes, fruta, bolos secos.

Na minha cadeia que não é hábito em Portugal, também temos visitas íntimas, temos uns quartos (com kitchnete, casa de banho) em que os reclusos recebem as mulheres, companheiras, etc. Para terem estas visitas têm de ter penas superiores a 3 anos, ter bom comportamento, não terem castigos e ainda não estarem a beneficiar de saídas precárias. Se entretanto sofrerem algum castigo a visita poderá ser suspensa por um determinado período de tempo consoante a gravidade da infracção. Quando começam a beneficiar de saídas precárias deixam de poderem ter estas visitas, pois já vão ao exterior…

 

15.   O que é proibido fazer dentro do estabelecimento prisional que não seja no exterior?

Tatuagens, não podem jogar a dinheiro, acesso a bebidas alcoólicas, ter telemóveis, dvd’s,  alguns podem ter televisões e playstations, mas há chips que entram clandestinamente com filmes pornográficos e outros filmes que eles adaptam para ver na playstation e não podem, é proibido. Não podem ter também objectos cortantes - aqueles que trabalham por exemplo nas oficinas tiram de lá xizatos e se são apanhados com estes objectos nas celas pode ser motivo para punição. Podem levar por exemplo televisões para as suas celas

 

Não podem ter dinheiro com eles. O dinheiro que os reclusos que lá trabalham fica numa conta. Eles têm um cartão que é carregado com determinada quantia e lhes dá acesso a comprarem tabaco, café… e além disso semanalmente eles fazem uma requisição de cantina, podem requisitar alguns produtos alimentares, de higiene... No cartão também pode estar dinheiro que a família lá deposita.

 

16.    Que tipos de castigos existem?

Se por exemplo constantemente quando eles são abertos, não estão prontos para sair da cela, pode haver uma repreensão escrita.

Se há conflito com outro recluso – agressão, podem mesmo que ter de ficar fechados em celas que são próprias para esses castigos. Ficam fechados o dia todo só com 1 hora de recreio, com o mínimo de objectos pessoais - não podem levar por exemplo televisão, e sem visitas. Esta punição pode ir até 30 dias – se forem coisas mais graves como agressão a um guarda ou a outro recluso, apanhados com droga, com telemóveis, fabrico de bebidas alcoólicas com fruta (embebedam-se).

Os reclusos para serem castigados, são-no porque os guardas ou outro recluso participam da ocorrência. É feito um processo interno em que os reclusos são ouvidos, se houver testemunhas também são ouvidas, se houver imagens captadas pelas câmaras também são integradas no processo; e depois técnicos de formação jurídica propõem determinada punição e posteriormente a directora é que despacha.

 

17.   Qual é o seu ponto de vista em relação às grandes penas?

Nalguns casos são necessárias, porque alguns indivíduos não conseguem viver em sociedade. Acho que esses indivíduos que ficam muito tempo nas cadeias devem ter actividades, um acompanhamento também terapêutico de forma a que um dia saiam e possam integrar-se na sociedade.

 

18.   Na sua opinião considera que o estabelecimento prisional faz com que os criminosos se arrependam dos crimes que cometeram?

Nalguns casos sim, quando são indivíduos que têm apoio familiar, que até tinham uma vida estruturada no exterior. Acabam por sentir mais a pena, e tentar melhorar.

Noutros casos que não têm qualquer referência no exterior, a cadeia acaba por ser um lugar onde eles se sentem mais seguros, onde têm pessoas que se preocupam com eles, refeições a horas. E sentem-se melhor lá dentro do que cá fora.

 

19.     Como é que é possível a entrada de substâncias ilícitas para o interior do estabelecimento prisional?

 Na minha cadeia, não há casos de entrada de armas. Porém, às vezes, há casos de entrada de drogas, nomeadamente haxixe, mas em pequenas quantidades. Pensa-se que entre pelas visitas, mas também por exemplo pelos funcionários das empresas de alimentação ou mesmo pelos funcionários do Estado da cadeia. Estes últimos se forem apanhados são despedidos, e nalguns casos até já foram presos.

Se o recluso é apanhado, a droga é entregue à polícia judiciária; faz-se um processo interno e o recluso é punido e também terá um processo crime, dependendo da quantidade. Se forem quantidades pequenas é só considerado consumo e não acontece nada.