Entrevista à Enfermeira do Hospital de Caxias (reformada)
Boa tarde, somos alunos da Escola Secundária Vitorino Nemésio e estamos aqui no âmbito da disciplina de Área Projecto. Começamos desde já por agradecer a sua disponibilidade para comparecer a esta entrevista. Estamos a desenvolver um trabalho sobre a vida dos reclusos dentro dos estabelecimentos prisionais e a possibilidade ou não da reinserção dos reclusos na sociedade.
Queríamos, portanto, realizar uma entrevista onde nos possa fornecer algumas informações para o nosso trabalho, passando agora as perguntas:
1. O que a levou à escolha da sua profissão?
Primeiro, o facto de gostar de ajudar os outros, fez com que desde pequena ajudasse pessoas idosas, através da igreja.
Além disso, foi o meu pai que me mandou fazer o curso, e como tinha o espírito de ajuda decidi ser enfermeira.
Porém, ter trabalhado com reclusos deve-se ao facto do meu sobrinho ter desaparecido na cadeia, e eu tinha esperanças de o encontrar, mas até hoje ainda não apareceu.
2. Gostava da sua profissão? Durante quanto tempo a exerceu?
Trabalhei como enfermeira durante 37 anos, ou seja, desde 1973.
Gostava muito da minha profissão, e até gostava de continuar a trabalhar se pudesse, mas sem obrigatoriedades, apenas como voluntária.
3. Quais as habilitações e/ou formações necessárias para ser enfermeira?
Na altura era o ciclo preparatório, o actual 7ºano.
4. Quais eram as suas funções?
Eram essencialmente de enfermeira de cabeceira, de cuidados de higiene, de administração terapêutica, de apoio social.
5. Considerava a sua profissão, uma profissão de risco?
Sim, mas mesmo fora do hospital é uma profissão de risco. No entanto, como trabalhava com reclusos pode considerar-se um pouco mais de risco, claro.
6. Já alguma vez foi ameaçada? De que modo?
Não, eles eram muito meus amigos. Se alguma vez algum pensasse em fazer-me mal, os outros defendiam-me. Uma vez, um velho apalpou-me mas eu dei lhe logo duas bofetadas.
7. Trabalhava com que tipo de reclusos?
Com todo o tipo de reclusos, não havia discriminação: traficantes, burlões, mas grandes burlões, psicopatas. Contavam-me as suas histórias, alguns mentiam-me, por isso tinha de ir ver a ficha criminal deles.
8. Conhecia alguém que foi injustamente condenado?
Pelo tribunal não, mas discriminação a nível de guardas, sim, os guardas agrediam-lhes muito, por vezes eu ponha me à frente. E dizia: “Eu fiz aquilo para que o guarda, não te desse com o cassetete”.(risos)
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9. Como é o era o seu relacionamento com os reclusos?
Era um relacionamento de amigos, eles tratavam-me bem, tinham muito respeito por mim, obedeciam-me muito, chamavam-me “tia, avó”. Eu tentava nunca querer saber os crimes que eles cometiam, para que isso não interferisse com o meu trabalho. Eu sou uma pessoa, sou humana.
Eu não os tratava com indiferença, eram pessoas normais que estavam restritos de um conjunto de condições, por isso ajudava-los.
10. Quais são as grandes diferenças em exercer a sua profissão fora e dentro da prisão?
É sempre diferente, porque dentro da cadeia há muito pouca gente que valorize aos sentimentos deles, não os valorizam enquanto pessoas.
11. Qual é a maior causa de lesões dentro dos estabelecimentos?
Acho que é a Auto-mutilação e agressão física. Se for acidente de carro, só se for de carro do lixo (risos).
Também ocorrem casos de greve de fome só para saírem de cela. Por vezes, engolem corta-unhas. Uma vez, um recluso cortou-se de propósito só porque queria que lhe dessem um comprimido, para compensar a falta de droga.
12. Os reclusos cooperam durante o tratamento?
Sim. Mas por vezes alguns escondem os comprimidos e depois vendem-nos.
13. Considera que os reclusos têm maior capacidade de fuga nas cadeias ou nos hospitais?
Só vi duas tentativas de fuga, um brasileiro que tentou saltar o murro e outros que sequestraram uma enfermeira.
Mas há sempre um “chibo”, que quando sabe o planeamento de uma fuga, denuncia os fugitivos, o que faz com que a sua pena seja atenuada.
14. Já houve algum acontecimento marcante para si?
Entrou uma miúda, colega da minha sobrinha, com HIV, sendo por isso a sua recuperação impossível, o que me deixava revoltada. Um dia, ela incendiou a cela, e morreu lá dentro.
Outra história é uma rapariga chamada Cristina que foi assassinada. Entretanto, os responsáveis pela sua morte foram presos e devido à revolta da família de Cristina, esta pagou a alguém desconhecido no interior da prisão para matar o gang. Este caso foi “abafado”.
Outro caso impressionante foi de um recluso que era conhecido como o “violador das prostitutas do Algarve”. Após o cumprimento da pena, saiu em liberdade condicional, e quando chegou a casa violou a filha. Inacreditável!