Entrevista à Fisioterapeuta do Hospital Prisional de Caxias

25-03-2010 10:06

Boa tarde, somos alunas da Escola Secundária Vitorino Nemésio e estamos aqui no âmbito da disciplina de Área Projecto. Começamos desde já por agradecer a sua disponibilidade para comparecer a esta entrevista. Estamos a desenvolver um trabalho sobre a vida dos reclusos dentro dos estabelecimentos prisionais e a possibilidade ou não da reinserção dos reclusos na sociedade.

 

Queríamos, portanto, realizar uma entrevista onde nos possa fornecer algumas informações para o nosso trabalho, passando agora as perguntas:

 

1.       O que a levou à escolha da sua profissão?

Foi um bocado a sorte…se eu soubesse não estava aqui hoje, com isto não quero dizer que não goste da profissão mas que me desiludo com o actual estado da sua prática. Foi uma questão de exclusões, eu ia para engenharia, mas depois não gostei…

 

2.       Gosta da sua profissão? Há quanto tempo a exerce?

Sim, gosto muito. Exerço-a há 29 anos. Já recebi a medalha dos 25 anos de sócia da minha Associação Profissional.

 

3.       Quais as habilitações especificas para ser fisioterapeuta?

É a área de ciências.

 

4.       Considera a sua profissão uma profissão de risco?

Não. Não mais que outras qualquer que exerça num hospital com estas características. Porém, houve uma vez um médico no hospital que foi agredido

Nós somos as pessoas que os tratam bem…os guardas são os que os “tratam mal”. É frequente estar com 10 reclusos simultaneamente sem guarda e nunca senti medo.

 

5.       Já alguma vez foi ameaçada? De que modo?

Sim, um recluso de raça cigana que precisava de fazer fisioterapia. Ele começou a achar que eu o estava a tratar mal porque o fazia esperar muito. Então, ele começava com argumentos como “tem alguma coisa contra os ciganos?”. Consequentemente decidi não tratar o homem visto que ele se tornou agressivo e a fisioterapia não era essencial na sua situação clínica.

 

6.       Já houve algum acontecimento marcante para si?

Sim, já houve pessoas que me escreveram cartas a agradecer o bom trabalho que sentiram, o empenho. Visto que é muito difícil trabalhar com estes homens, têm geralmente pouca escolaridade, falta de higiene, dificuldade em estabelecer objectivos e por vezes utilizam a fisioterapia como forma de saírem da prisão.

Uma história engraçada foi uma vez que trabalhei com um recluso francês rico, até tinha um iate. Estava preso por tráfico de droga. Ele dizia muitas asneiras, nomeadamente uma: f***.  Um dia disse-lhe que o senhor era muito pouco “polite”, pois dizia aquela palavra muito regularmente em qualquer situação. Ele explicou que tinha aprendido a falar português na cadeia, e pensou que fosse uma palavra normal.

 

Outra história, mas esta chocante, foi um paciente que matou a namorada e a cortou aos bocadinhos, é muito difícil. Este tipo de pessoas são perigosas, psicopatas. Ameaçam de forma muito velada e sentimos essa ameaça.

 

Por fim, houve uma miúda que tratei que se tinha injectado (era toxicodependente). Deve ter comprado um produto de má qualidade, e ficou com uma lesão no cotovelo terrível. Foi um caso bastante difícil, mas que ficou resolvido, foi um sucesso, mas foi muito trabalhoso.

 

7.       Como é o seu relacionamento com os reclusos?

É uma relação terapeuta - paciente. É um paciente normal e não têm mais relação nenhuma comigo além da relação terapêutica. Estou lá para os tratar, não deixo que eles falem de outras coisas. Eu prefiro não saber a causa de estarem na prisão, não vou falar das coisas que um recluso fez ou faz, não faz parte da minha função.

 

8.       Qual é a maior causa de lesões dentro dos estabelecimentos?

Traumatismos, vários por agressões entre grupos de reclusos na prisão.

Os murros na parede, em que eles justificam com “chateei-me e dei um murro na parede”. Lesões em ginásios, visto que eles fazem muito exercício.

Além disso as patologias relacionadas com o HIV também são frequentes, apesar de haver cada vez menos visto que eles são todos mais controlados pelos especialistas nos seus Estabelecimentos Prisionais (por exemplo as tomas de medicação).

 

Também há pessoas que engolem pilhas, garfos e droga propositadamente para poderem estar no hospital. O hospital é um “hotel” para quem está nas cadeias. No hospital eles são tratados por senhor, na prisão são tratados por números, é uma das coisas que eles também notam diferença.

 

Há a história de um homem que tinha engolido 1 garfo sem os bicos.. Diariamente fazia RX para o médico decidir se tinha que operar ou não. Depois, voltava constantemente ao raio-x afirmando que engolia novamente garfos.  O que era de estranhar. Então, certo dia após o RX do costume que confirmou a presença do cabo do garfo, ele reentrou para a sua enfermaria e passado algum tempo levaram-no novamente para outro RX e o garfo já não estava lá. Ou seja, ele tinha aprendido a engolir e a retirar o cabo do garfo do estômago.

 

9.       Os reclusos cooperam durante o tratamento?

Depende um bocadinho da cabeça deles, é variável. Há uns que colaboram e fazem o que nós dizemos. Há outros que não compreendem a parte importante que desempenham no seu processo de recuperação. Por exemplo os toxicodependentes muito degradados “têm um neurónio a menos”

 

10.   Quais são as grandes diferenças em exercer fisioterapia fora e dentro da prisão?

Há um único hospital nacional para os prisioneiros de todo o país, o hospital de Caxias.

É um meio diferente, para entrar temos que pedir ao guarda para nos abrir um portão. Por exemplo para sair do hospital tenho de sair 1 portão…2 portões…3 portões…4 portões. Não posso entrar com telemóvel, tesouras, objectos cortantes… Temos grades em todas as janelas. Temos que ter cuidados que não temos cá fora, quer com o nosso comportamento, para não irmos contra as normas estabelecidas ou abrirmos precedentes que nos podem prejudicar pessoalmente, quer com aquilo que dizemos pois muitas vezes utilizam meias verdades e algumas mentiras para manipular outro profissional de saúde ou para conseguirem aquilo que pretendem.

 

11.   Têm maior capacidade de fuga nas cadeias ou nos hospitais?

Nas cadeias acho que não há muitos casos de fuga. Mas por exemplo no outro dia fugiram 5 da psiquiatria, mas foram todos apanhados.

O edifício tem um espaço exterior muito grande. Diariamente os reclusos da psiquiatria têm recreio. Um dia saltaram o muro, que é muito alto, passaram o arame farpado mas rapidamente foram detidos (até porque dessas quedas normalmente resultam fracturas e outros traumatismos).

 

12.   Conhece alguém que estava preso e depois foi considerado inocente?

Acho que sim, vi um que esteve aproximadamente 9 meses em prisão preventiva. E depois quando foi a julgamento foi considerado inocente.