DESABAFOS DE RECLUSOS

 

 Na coluna do lado direito encontram-se manuscritos de dois reclusos efectuados durante o seu cumprimento da pena. 

 

 

Este texto que se segue é a transcrição do manuscrito do recluso I, devido à díficil leitura deste:

Estabelecimento Prisional e Regional de Beja

17h45, cela nº 14        89391

António Pombo Caetano das Neves, Pompeu

 

Heroína

És a causa da desgraça da maior parte da juventude.

Destróis lares, vidas, amizades e até sonhos.

Cada dia que passa causas desgraça.

Porque razão existes? Com que finalidade te fizeram?

És a pior de todas as doenças.

O pior de todos os vícios.

Por ti mata-se, rouba-se, faz-se trinta por uma linha.

És terrível.

Tens o dom de possuir quem te consome.

És perita na desgraça do ser humano – homem ou mulher.

Fazes com que pensem ser impossível viver sem ti.

Falando por mim, devo dizer que é muito doloroso, chega até a ser quase impossível.

Mas! Não é impossível.

                                               Felizmente.

As prisões estão apinhadas de jovens de ambos os sexos.

Por roubo, morte e outros delitos mais.

Tudo isso é feito por ti.

Todos/as estes jovens cometeram vários tipos de delito para te poder consumir.

Para te poder obter eles fazem de tudo, até encontrar a cadeia, o centro de recuperação.

                                               Ou a morte.

Heroína foste aquilo que durante muitos anos gostei na minha vida.

Pergunto porquê?

Não consigo chegar a nenhuma conclusão!!!

Foste um relógio? Talvez !!!

Lembro-me muito de ti, porque as grandes paixões deixam sempre marcas, e toda a minha vida está marcada por ti.

Destruíste-me a vida, por isso te vou esquecer.

Sei que é difícil mas sei que vou conseguir. Sabes como?

Lembrando-me do que por ti tive que fazer, só por ti o faria…

Por isso te chamam heroína, és a rainha das drogas.

Consegues que o ser humano faça o impossível para te possuir.

Roubar, burlar e prostituir-se e até matar. O que dás tu em troca? Nada!!!

Só destruição. Morte ou prisão!

Sabes heroína vou esquecer-me que foste um mal. Penso no que de bom podia ter vivido e tu não me deixaste.

Sinto desprezo, sinto ódio, sinto que não me mereces.

És demasiado egoísta, não mereces ninguém.

Sou forte demais para me entregar novamente a ti.

Tu heroína, a quem chamam de maldita. Não vais sequer ocupar as minhas recordações.

E sabes porquê?

Porque eu quero é agora viver!!!

 

Pompeu

29/03/93